Opinião
Para Portugal, como já avisou a SEDES, os confrontos nas ruas de Atenas devem servir de aviso sério para os efeitos da crise.
Na China, há neste momento 118 homens para cada 100 mulheres e os demógrafos estimam que, em 2030, haja 30 milhões de homens sem hipóteses no mercado emocional chinês. Em Pequim, o Governo tem muito medo destes números e já começou a alterar a chamada política do filho único para tentar inverter a tendência. E o que tem isto a ver com os confrontos entre estudantes e a polícia, que paralisaram a Grécia, causando dezenas de feridos e mais de 1,8 mil milhões de euros em prejuízos?
Pequim sabe a resposta que a Europa, no conforto relativo até aqui providenciado pelo Estado Social, começa a assimilar. Pessoas sem nada a perder são matéria facilmente combustível, que precisa só de um rastilho para explodir.
Na Grécia – onde ontem ainda continuavam os confrontos – todos procuram explicações. Os milhares de estudantes que estão a batalhar nas ruas – aos quais se somaram pessoas de todos os caminhos da vida – não são marginais que habitam lugares subterrâneos da sociedade grega. São pessoas normais, daquelas que estão nos cafés durante do dia, que vivem na casa de classe média dos pais, que estudam na universidade. O que esta massa quer, explicam os sociólogos, é ventilar a sua raiva contra um sistema muito polarizado, baseado numa implacável cultura de sucesso e de consumo, que não lhes oferece qualquer saída para o futuro.
Para Portugal, preso a uma crise económica há seis anos, a situação grega deve servir de aviso sério – como já avisou a SEDES, presidida por Campos e Cunha – para os efeitos que essa mesma crise tem nas motivações e na vida de milhares de pessoas.
É certo que, na Grécia, o espírito de rebelião faz parte da mitologia estudantil, desde a queda da ditadura militar em 1974 – os movimentos universitários portugueses (existem?), assim como os sociais, são bem mais dóceis. Por outro lado, como explica o economista João César das Neves, para estalar uma crise como a grega é preciso haver um “descontentamento endémico”, sendo que em Portugal há apenas “desânimo endémico”, sem força e ideologia definida.
A situação portuguesa revela, contudo, marcas que muitos (incluindo o Governo) preferem não ver. O mercado de trabalho fechou as portas aos cursos universitários que se multiplicaram como cogumelos, o Estado deixou de cumprir a promessa de emprego fácil e a empatia entre cidadãos e poder político nunca foi tão baixa. A sociedade portuguesa é cada vez mais dual – para cada Magalhães e história de “sucesso” há uma faixa cada vez maior de jovens zangados, presos às esmolas do Estado, aos recibos verdes ou aos salários de 600 euros – pessoas que se sentem enganadas e que têm cada vez menos a perder. Manter um discurso político baseado na ilusão e remeter estas pessoas para um plano de invisibilidade social é um erro que, mais tarde ou mais cedo, poderá sair bem caro.
Bruno Faria Lopes, Editor de Economia, diario economico 19/12/2008
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
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